Falaremos aqui de um assunto fundamental para o bom funcionamento dos instrumentos que usam o sistema de trastes. De nada adianta um violão ou cavaco muito bem construídos, com sonoridade singular, ou uma guitarra ou baixo com o que há de melhor em termos de hardware e captação disponíveis no mercado, se o braço não permite que o instrumento entregue todo o seu potencial.
O processo de colocação e nivelamento dos trastes tem grande influência na performance do seu instrumento. Os desníveis de trastes são sensíveis ao toque, causam desconforto e implicam em queda drástica na qualidade sonora. É perceptível que algo está errado até mesmo para os ouvintes que sequer encostaram em um instrumento a vida inteira.
Uma solução comum e muitas vezes ineficiente para tentar minimizar esses trastejos é subir a ação das cordas. A ação torna o instrumento difícil de se tocar. Por vezes, é necessário uma força desproporcional para conseguir encaixar as notas nas posições corretas. Toda essa dificuldade pode interferir também no timbre do instrumento, fazendo com que as notas soem diferente do esperado.
Neste caso, o nivelamento dos trastes é um processo que pode auxiliar numa regulagem eficiente do seu instrumento.
Em que consiste o nivelamento de trastes?
Para realizar o serviço do nivelamento dos trastes, é necessário que um Luthier possa avaliar a qualidade da colocação dos trastes que estão instalados no instrumento. Se estão devidamente assentados, se o nível de deformação pelo uso comum ainda está na margem de segurança, ou se existe alguma deformação no braço causada por torção ou empeno que necessitem de uma abordagem corretiva mais incisiva.
Caso não seja detectado nenhum dos problemas descritos, é possível prosseguir com o nivelamento. O nivelamento dos trastes consiste em fazer o alinhamento do braço utilizando o tensor, verificando as compensações necessárias para corrigir leves deformações que possam surgir ao longo dos anos, afinal, a madeira pode trabalhar. O próximo passo é localizar e corrigir possíveis trastes mais altos que possam causar um “efeito gangorra”, e enfim, retificar com ferramentas apropriadas finalizando com uma sequência de lixas.
Após a retífica é natural que os topos dos trastes fiquem ligeiramente planos, perdendo seu formato original. O topo achatado tende a deslocar o ponto de contato da corda com o traste e por consequência mudar ligeiramente a frequência das notas ao longo da escala. Por isso, após o nivelamento, arredondamos novamente os trastes para que eles recuperem o formato ideal.
Na sequência do arredondamento vem o acabamento com progressão de lixas e polimento. Aqui garantimos um bom acabamento superficial, fazendo com que a corda deslize nos trastes de forma suave, melhorando a sensibilidade do músico e a vida útil do encordoamento.
Em cada etapa do nivelamento dos trastes é feita uma conferência para evitar imprecisões do trabalho manual. Quaisquer pontos de desnível restantes são devidamente eliminados e, então, o instrumento pode ser montado. Caso ainda existam desníveis pontuais, as áreas problemáticas são novamente submetidas ao processo de nivelamento até que tudo esteja resolvido.
É importante isolar o captador, já que os detritos metálicos do lixamento dos trastes podem grudar no entorno do captador em decorrência do campo magnético. Mesmo quando a retífica é feita em trastes de Inox, isolar a elétrica é importante para evitar a sujeira das limalhas de metal.
O acabamento do instrumento também deve ser protegido, já que as partículas de metal também podem riscar o verniz.
Troca dos trastes
O investimento em uma boa troca de trastes pode ser alto, mas os benefícios são bastante justificáveis. A troca dos trastes pode garantir o melhor ponto de performance do seu instrumento. Ao remover os trastes, algumas situações de empeno ou torções podem ser corrigidas, ou suficientemente corrigidas para que o complemento do trabalho seja feito na retífica.
Remoção dos trastes
Começamos com a remoção dos trastes, que soa como um trabalho fácil, mas em instrumentos antigos pode ser um processo trabalhoso. Não é incomum encontrarmos ressecamento excessivo da madeira da escala em instrumentos antigos ou que não recebem manutenção de forma regular. Nesses casos, a abordagem na remoção dos trastes requer mais cautela para preservar a integridade da madeira e acabamento.
Recuperação da escala
Com o braço sem os trastes antigos, entramos na etapa de recuperação da escala. São raros os instrumentos que conseguem manter a integridade do raio da escala, ou, no caso dos violões clássicos, a superfície regularmente plana uma vez que a madeira tende a deformar ao longo dos anos, mesmo que minimamente.
Nessa etapa, além de corrigir as deformações causadas por torções e empenos, podemos corrigir a superfície da escala, adequando-a à forma original, ou mudar o raio da escala, se for uma requisição do músico. É um trabalho que demanda paciência e precisão. A preparação da superfície é tão importante quanto um bom entrastamento e nivelamento de trastes.
É importante ter ciência de que o raio da escala pode alterar as especificações da regulagem. Existe uma diferença sensível entre essas curvaturas que resultam em experiências completamente diferentes mesmo utilizando instrumentos semelhantes. Em nosso artigo sobre raio da escala você pode encontrar explicações mais detalhadas sobre esse assunto.
Entrastamento
A etapa seguinte é o entrastamento. Contamos com as possibilidades de preservar a originalidade do instrumento, ou customizar com trastes da especificação preferida pelo músico. O assentamento correto dos trastes, acompanhando a curvatura da escala, minimiza drasticamente o trabalho de nivelamento, preservando quase a totalidade seu formato original. O efeito desse cuidado é sensível ao toque. A sensação de distâncias equivalentes entre os dedos e a escala se mantém por toda a extensão do braço. Faz parte dos pequenos detalhes que, no conjunto, tornam o seu instrumento cada vez mais especial.
Finalizado o entrastamento, o processo do nivelamento se repete da forma que foi descrito anteriormente. Na troca de trastes, a garantia de um bom processo de retífica é responsabilidade direta dos processos de remoção e entrastamento. Trabalha-se cada traste apenas o necessário para o alinhamento correto. Por fim, montamos e damos início à regulagem, fazendo correções sempre que for necessário.
Acabamento
O acabamento da superfície do traste, principalmente dos trastes em Inox, altera completamente a sensação da digitação das notas, técnicas de vibrato, bend e slide. Os trastes bem finalizados, seja qual for o material, melhoram sensivelmente o rendimento do músico por reduzir a força necessária para vencer o atrito da corda com a superfície mal-acabada. Além disso, o grooving deixado por ferramentas de nivelamento, principalmente em instrumentos de baixo custo, pode colaborar com a quebra das cordas ou induzir vibrações indesejadas.
Vamos ao nosso F.A.Q:

Quando preciso trocar meus trastes?
Quando for identificado pelo seu Luthier de confiança que a qualidade do entrastamento original, ou feito por outro profissional não atende às suas exigências técnicas. Trastejos excessivos em diversas regiões do braço com ação intermediária para alta, bends travando antes de alcançar o intervalo de um tom, notas duplicadas em diferentes casas quando tocadas em cromatismo na mesma corda, quando toca-se uma nota e a sonoridade vem acompanhada de um ruído que chamamos de “buzz”, dentre outros.
Quando o desgaste natural pelo uso, principalmente em trastes de liga de Níquel, gera afundamentos perceptíveis nas regiões mais tocadas ao longo do braço. A aparência dos trastes nesses casos assemelha-se a uma cadeia de montanhas, com vales e picos. A partir de um determinado nível de desgaste esses vales também poderão causar trastejos caso o desgaste não seja regular ao longo do braço.
Quando houver algum problema estrutural no braço causado por torções ou empenos que a correção seja possível através de um nivelamento na escala.
Quando for da sua curiosidade testar trastes com especificações diferentes dos originais. Com o tempo de estrada descobrimos o que mais nos conforta em um instrumento, e o traste também é um fator importante de customização.
Qual a melhor marca de traste?
Atualmente trabalhamos com os Jescar como padrão, tanto em Níquel quanto Inox, fornecidos pela JPM Guitar Shop. Existem outras marcas no mercado com qualidade similar e boa variedade de especificações como a Dunlop, Sanko, DHP, Van Gent e outras mais. As diferenças estão na composição química, dureza, formatos disponíveis e principalmente facilidade de acesso regular de compra. Existe a melhor marca? Digamos que cada uma dispõe de produtos que atendem demandas e expectativas distintas, e, bem trabalhados, darão resultados excelentes.
Vale a pena trocar os trastes de instrumentos de acesso?
Essa é uma pergunta que tem duas respostas: sim e não! A troca de trastes é um investimento que não influi no valor de revenda do instrumento, assim como quaisquer customizações que não envolvam troca de peças que aumente o valor agregado. Instrumentos de baixo custo costumam ser equipados com peças básicas, seu processo de construção pode carecer de cuidado em etapas fundamentais e podem exigir outras medidas corretivas além da troca dos trastes.
Caso você se sinta confortável com as especificações do seu instrumento, ele lhe traga conforto na hora de tocar, que não tenha problemas estruturais ou que não tenham correção, seja uma ferramenta para um uso específico ou envolva algum valor sentimental, a resposta é sim.
Caso seu instrumento apresente outros problemas que não são do seu interesse solucionar, deformações graves no braço, tensor inoperante, ou outros problemas que necessitem investimentos mais altos para que ele retorne para um bom estado de funcionamento, a resposta é não.
Como devo escolher os trastes antes da troca?
Normalmente associa-se o traste com o estilo musical, mas podemos desmistificar um pouco essa história.
Trastes mais baixos são ideias para quem gosta de estar em contato com a escala, ou os que aplicam mais força ao tocar. A proximidade com a escala ajuda a limitar a intensidade da técnica, no entanto, o aumenta o arrasto do dedo com a escala podendo diminuir a velocidade.
Trastes mais altos ajudam a livrar os dedos do contato com a escala, mas precisam de um certo cuidado enquanto se toca. A força aplicada para digitar as notas em trastes mais altos precisa ser comedida. Quando a intensidade é exagerada ao ponto de o músico forçar o contato da corda com a escala, o instrumento pode desafinar. Em contrapartida, trastes mais altos possibilitam técnicas mais velozes. Não há mais nada no caminho para atrapalhar.
Trastes mais finos tendem a ser mais precisos. A crista com arco de raio menor tende a gerar menos área de deformação da corda com o perfil do traste quando se toca. O resultado disso é uma tangência mais precisa, notas mais fiéis ao afinador.
Trastes mais largos são levemente menos precisos que os mais finos, e mais tolerantes com imprecisões do posicionamento dos dedos na casa. Geralmente trastes maiores tem arcos de raio maior fazendo com que a corda se acomode mais gentilmente no seu perfil. Um erro de posicionamento do dedo na casa pode não soar problemático com trastes mais largos.
Esperamos que com essas informações você esteja apto a tomar uma decisão mais coesa com o que de fato vai atender sua necessidade. Mas se precisa de um melhor suporte, entre em contato conosco!