Diversas vezes recebemos perguntas sobre como realizar os procedimentos básicos para manutenção de instrumentos. São dúvidas muito pertinentes, uma vez que não existe consenso entre os fabricantes e Luthiers. Mas podemos deixar, na sequência, algumas sugestões para que você consiga encontrar uma situação ideal ou mais próxima do ideal possível para o seu instrumento.
Como e por que devo guardar o meu instrumento de maneira correta?
Primeiro é importante ressaltar o porquê de guardar seu instrumento corretamente é fundamental para aumentar a vida útil. Sim, instrumentos musicais passam pelo mesmo processo que nós seres humanos: eles nascem, alcançam o auge, e depois entram em declínio, uns mais cedo que nós, outros mais tarde. Os cuidados certos também ajudam preservar por mais tempo quaisquer serviços que tenham sido feitos por um Luthier.
Grande parte dos instrumentos construídos disponíveis no mercado utilizam madeira como matéria prima fundamental. A madeira tem um longo caminho desde a origem até se tornar instrumento. A maneira como é tratada é fundamental para garantir estabilidade já que, mesmo depois de seca, continua interagindo com o meio ambiente, mesmo que de forma discreta, sensíveis à temperatura e principalmente umidade.
Por conta disso, mesmo depois de prontos e envernizados os instrumentos continuam interagindo com variações climáticas. Você já deve ter reparado que em dias extremamente secos ou chuvosos seu instrumento se comportou de forma levemente diferente. Pode ter ficado mais desconfortável, algum trastejo anormal apareceu ou até mesmo alterações de timbre. A depender do grau de exposição a situações desconfortáveis, o instrumento pode sofrer problemas estruturais irreversíveis.
Cuidados com a temperatura e umidade do ambiente
Sabendo que a madeira tem capacidade de reter ou expulsar umidade de acordo com as condições climáticas, é uma boa prática climatizar o ambiente em que seus instrumentos estão guardados. A climatização é uma ótima ferramenta para manter a regularidade de temperatura e umidade do ambiente, e pode ser feita através de aparelhos de ar-condicionado ou desumidificadores quando necessário.
Como sugestão, manter regular a umidade em torno de 40% e a temperatura entre 18° e 28°, ou atentar-se para a recomendação do fabricante quando essa informação estiver disponível. Esses valores são referências bastantes razoáveis para preservar o seu instrumento em condições ótimas para sua estrutura. Boa parte dos Luthiers e fábricas constroem respeitando essas medidas, ou esforçam-se para manter a maior parte do processo dentro desse limite. Pequenas variações desses valores durante a construção, para mais ou para menos, não são problemáticas caso resolva seguir essa referência para sua climatização.
Evitar a exposição ao sol
Outra boa medida protetiva para evitar que seja precoce a manutenção de instrumentos é mantê-los longe de paredes externas que recebam radiação de calor direta, ou internas que também recebam radiação solar diretamente pelas portas e janelas. Essas paredes têm capacidade de armazenar e conduzir a caloria para dentro do cômodo, e a primeira vítima será seu instrumento se estiver perto. A situação pode piorar se o uso de ar-condicionado for intermitente, gerando situações constantes de choque térmico.
Cuidados com o uso de cases e capas
Particularmente eu não recomendo que instrumentos sejam guardados permanentemente dentro de cases, armários ou qualquer ambiente sem ventilação, principalmente com umidade elevada constante. Cases, capas e ambientes fechados tendem a reter água dos dias mais úmidos, não sendo adequados para manter os instrumentos por longos períodos. A sugestão é utilizar capas ou cases apenas em transporte, mudanças, viagens e turnês. Apenas utilize-os para guardar se não houver nenhuma outra solução disponível.
Forma de acomodação do instrumento
Até aqui falamos apenas de restrições, então qual seria a melhor maneira de guardar meu instrumento? A nossa sugestão é acomodar o instrumento pendurado na parede ou em pedestais, de preferência os que não apoiam pelo braço, afastado de locais de trânsito de pessoas e, se possível, em ambientes ventilados. Da mesma forma que o instrumento fica mais exposto à poeira, também fica mais exposto a você. Manter o instrumento sempre à vista nos lembra que ele está ali para ser tocado, com fácil acesso, além de funcionar como objeto de decoração.
Cuidados para quem tem Pet
Abrimos um parêntesis para deixar o alerta para quem tem Pet. Nossos animais são queridos e nos trazem muita felicidade, mas as vezes aprontam com nossos instrumentos. Recordamos uma Gibson LesPaul de um ex-aluno que o cachorro comeu. Por isso, é importante deixar os instrumentos afastados dos animais, principalmente se os seus tem tendências destrutivas.
Principais pontos básicos para a manutenção de instrumentos
Toda esta exposição também recorda que temos que fazer manutenção de instrumentos de tempos em tempos. Não é incomum instrumentos guardados por longos períodos terem problemas com oxidação das peças de metal, contatos elétricos, verniz, tensor e até mofo na madeira. A manutenção de instrumentos regular evita ou retarda esses defeitos, fica mais fácil para o Luthier intervir no momento certo para mantê-los em boas condições.
Já que entramos no assunto de manutenção e tratamento, a seguir vamos listar algumas dicas para que você possa fazer sua parte e manter seu instrumento sempre em bom estado de conservação. Ter uma rotina de limpeza e cuidados é importante para evitar viagens recorrentes ao seu Luthier. Incentivamos que todos os nossos clientes músicos saibam o básico da regulagem para driblar qualquer adversidade e trazer apenas os serviços necessários para o profissional.
Troca de cordas
Na lista básica de manutenção de instrumentos, o primeiro tópico é a troca regular de cordas. Quando falamos em troca regular, não é trocar compulsivamente as cordas, mas de forma regrada, condizente com o grau de utilização do instrumento. Recomendamos a troca das cordas sempre que adquirirem textura arenosa, pontos de oxidação, perda massiva de timbre ou deformações causadas pelo uso.
A durabilidade das cordas pode variar de acordo com cada fabricante, e é encurtada quando o instrumento permanece em ambientes excessivamente úmidos, pela frequência do uso, ou corrosão pela acidez da pele ou suor. Algumas pessoas possuem o suor mais ácido, corroendo e acelerando o processo de oxidação das cordas e partes de metal. Esses devem ter cuidado dobrado na limpeza pós uso.
Dentre os problemas na manutenção de instrumentos causados pelo uso de cordas oxidadas, os maiores são o desgaste dos trastes e dos pontos de apoio. O resíduo gerado pela oxidação transforma a corda em uma espécie de composto abrasivo, acelerando o desgaste dos trastes pela fricção, até mesmo os de inox. Também pode criar sulcos nos carrinhos da ponte, cavalete ou rastilho, e aprofundar os canais da pestana.
Não podemos definir uma regra para a frequência de troca das cordas, uma vez que depende diretamente da qualidade da corda, frequência e finalidade para qual o instrumento é utilizado. No entanto, tendo em vista o uso regular, sugerimos como referência esses prazos:
- Para Guitarras:
- Cordas regulares de Níquel: 4 a 6 semanas;
- Cordas com revestimento protetivo: 12 a 16 semanas.
- Para Violões de Aço:
- Cordas regulares de Bronze ou Fósforo Bronze: 4 a 8 semanas;
- Cordas com revestimento protetivo: 12 a 16 semanas.
- Para Violões Clássicos:
- Para encordoamentos de Nylon: 6 a 8 semanas;
- Para encordoamentos de Carbono: 6 a 12 semanas.
Antecipe ou retarde a troca das cordas quando sentir que é necessário
Existem alguns produtos no mercado que auxiliam a desengordurar e limpar as cordas após o uso. Caso você tenha problemas regulares com corrosões de contato das mãos com as cordas, utilizar um desses produtos pode auxiliar a manter seu encordoamento por mais algum tempo.
Nesse link você encontra um passo a passo para trocar corretamente as cordas do seu instrumento.
Limpeza da escala e componentes
O próximo tópico dos cuidados básicos de manutenção de instrumentos recomendados é a limpeza da escala e dos componentes. Com o uso, é comum acúmulo de alguns resíduos na escala proveniente de suor, poeira, oxidação das cordas ou outras interferências externas. É uma boa prática manter a escala sempre limpa e livre de impurezas para permitir que a madeira respire. Recomendamos para essa limpeza interferências químicas. Não utilize raspilhas, lâminas de estilete ou quaisquer abrasivos que possam remover material da escala junto com a sujeira.
Existem empresas que disponibilizam no mercado produtos específicos para desengordurar e limpar a escala. Também podem ser utilizados, como alternativa, soluções de sabão neutro e um pouco de água em pequena quantidade quando o acúmulo de sujeira for exagerado, ou álcool etílico com alto teor de pureza. Para os instrumentos finalizados com Nitrocelulose, Goma-Laca, Óleos ou quaisquer outros materiais sensíveis a álcoois e produtos de limpeza regulares, utilizar apenas produtos adequados fornecidos pelos construtores. Peça indicação ao seu Luthier.
Para limpar as ferragens e pintura/verniz, um bom pano de microfibra acompanhado de soluções de limpeza são os mais indicados. Grande parte dos instrumentos são finalizados com vernizes sintéticos a base de poliéster ou poliuretano. Esses compostos aceitam produtos automotivos específicos ou os disponibilizados por marcas de instrumentos. Podem ser utilizados tanto na limpeza quanto na remoção de riscos superficiais e revitalização do brilho. Flanelas, camisas velhas, pano de algodão de fio grosso e tecido a base de poliéster são inimigos do seu verniz: eles podem riscar mais do que polir a superfície. Portanto, atenção na compra de um bom pano de microfibra, guardado sempre em um recipiente livre de poeira.
Vale lembrar que a limpeza e revitalização de instrumentos finalizados em nitrocelulose ou goma laca requerem produtos específicos livre de solventes e silicone. Nesse caso, compre os produtos recomendados pela marca ou leve ao seu Luthier.
É importante ressaltar que grande parte dos produtos de revitalização de brilho também são abrasivos. Polidores tem graus de corte específicos para cada finalidade, e os produtos que revitalizam brilho, por mais que a abrasividade seja irrelevante, irão interferir na camada de verniz. Não recomendo polir seu instrumento de forma indiscriminada. Conforme você for usando, ele vai sujar e riscar, são marcas naturais que acontecem pelo próprio uso. Faça apenas quando for necessário.
Manutenção da parte elétrica de instrumentos
Por fim, a parte elétrica também carece de alguns cuidados para estender sua vida útil. Por mais que o nome seja “elétrica”, grande parte dos contatos dos componentes funcionam de forma mecânica. Os potenciômetros têm um eixo de giro, a chave seletora gera um contato mecânico em cada posição, o zinabre e a sujeira atrapalham o contato da bateria com as molas, e tudo isso também precisa de manutenção. É importante, junto da troca das cordas e limpeza geral, ter um bom limpador de contatos à disposição para utilizar em pequena quantidade nos componentes elétricos. Não utilize produtos à base de silicone (WD40 e similares), eles vão estragar a parte elétrica do seu instrumento.
Perguntas frequentes que influenciam na manutenção de instrumentos
Existem madeiras melhores para lidar com umidade e temperatura?
As diversas espécies que usamos são pertencentes a famílias diferentes e são constituídas de estruturas e morfologias distintas. Algumas dessas espécies são naturalmente mais resistentes a mudanças climáticas, mas dizemos que o grande trunfo da boa construção é o processo de secagem.
Quando as madeiras são cortadas e secas de forma correta, a chance de obter uma peça de boa estabilidade é muito maior do que quando temos peças com secagem acelerada ou artificial. A consequência disso é um instrumento mais estável.
Eu faço shows frequentemente com meus instrumentos, tenho uma rotina de estrada e não consigo manter meu instrumento climatizado o tempo todo. Como faço?
Enfrentar diferentes microclimas com variações bruscas pode ser um desafio se o seu instrumento é mais sensível às trocas de temperatura e umidade. Recomendamos que, primeiramente, escolha um instrumento que não seja tão sensível às mudanças climáticas. Sempre que chegar em um lugar com um clima diferente, tire seu instrumento da capa, deixe-o respirar e acompanhe a sua evolução.
Se estiver apto, ajuste o tensor de acordo com a curvatura que o braço apresenta. Para guitarras com pontes flutuantes, fique atento ao nivelamento da ponte, pois eventualmente ela pode mudar o ponto de equilíbrio. Se o instrumento foi previamente regulado, raramente outros ajustes são necessários.
Se não se sentir seguro, procure um luthier de confiança na região que está.
Moro em local úmido e meus violões têm dificuldade de manter a afinação. O que fazer?
Umidade para o violão e outros instrumentos acústicos é muito mais sensível do que para um instrumento sólido. O excesso de umidade faz a madeira inchar e aumenta a tensão interna da caixa de ressonância. Quando a temperatura se eleva, pode auxiliar numa remoção brusca de umidade, mesmo em um dia de umidade elevada, e fazer com que o comportamento da caixa mude de forma repentina.
Nada disso é visível, mas o trabalho da madeira de acordo com seu microclima pode alterar as distâncias fundamentais da escala e mudar a forma como determinadas frequências se comportam e propagam. Por consequência, a sonoridade do seu violão também muda.
Nesse caso, o melhor remédio para estabilizar seu instrumento é climatizar o cômodo que ele fica, realizando uma transição semanal gradativa da umidade média do microclima até os 40% recomendados. Regular a temperatura também é importante.
Não tenho outro lugar além do case para guardar meus instrumentos, como posso fazer para mantê-los com saúde?
Cases e capas são recursos de transporte, se não houver outra possibilidade de acomodar o instrumento como citado no texto, recomendo que ainda sim mantenha o ambiente climatizado sendo os cases preferencialmente guardados fora de armários. Se é um instrumento de uso regular, mantê-los no case pode não ser um problema.
É interessante afrouxar as cordas depois de tocar para preservar as cordas e o instrumento?
Essa abordagem não preserva nem as cordas nem o instrumento. Afinar e desafinar o instrumento de forma constante é uma batalha de forças incessante uma vez que a física do seu instrumento precisa de um padrão de estabilidade para funcionar da melhor forma possível.
Estabilidade não significa ausência de tensão. Quando o seu instrumento está constantemente afinado e regulado, todas as forças envolvidas no seu funcionamento estão equilibradas. O tensor compensa a tração das cordas, o rastilho e pestana estão regulados nas alturas corretas, as oitavas reguladas e, no caso de instrumentos com pontes flutuantes, as molas reguladas com as compensações necessárias. Até a madeira registra uma memória desse ponto de regulagem com o passar dos anos.
Desafinar e afinar constantemente faz com que todas essas compensações entrem em desarmonia. Não necessariamente seu instrumento vai voltar no mesmo ponto de regulagem quando você afrouxa e aperta as cordas regularmente. O ponto de apoio das cordas pode variar, aumentando a chance de ruptura ou mudando ideal de vibração.
Seu instrumento foi feito para funcionar constantemente tensionado. Os únicos momentos que é recomendado afrouxar as cordas são durante a troca de cordas e limpeza, viagens em que é necessário despachar o instrumento ou se houver necessidade de guardar o instrumento por longos períodos (anos) em capas ou cases.
Por que não limpar a escala usando raspadores já que é uma técnica comum entre outros profissionais?
A utilização de raspadores pelos profissionais qualificados pode ser bem menos danosa para a pessoas que não tem habilidade manual nem traquejo com a ferramenta. Um raspador ou lâmina de estilete pode remover raspas de madeira além da sujeira depositada na escala. Quando isso acontece de forma repetida, o nivelamento da sua escala em uma eventual troca de trastes pode render mais trabalho do que o necessário para compensar os sulcos criados pela raspagem. A espessura da escala fatalmente diminui além do necessário.
Conte sempre com um Luthier de confiança
Apresentamos neste artigo dicas e procedimentos básicos valiosos para a correta manutenção de instrumentos. Seguindo todos os pontos com atenção e cuidado, a vida útil de seu instrumento será muito mais longa e com a sonoridade e conforto necessária. Porém, se não se sente seguro para realizar qualquer um dos procedimentos citados, não deixe de procurar um Luthier de confiança.
Se estiver por perto, não deixe de visitar o nosso ateliê. Entre em contato e agende a sua visita!