E o que é o raio da escala? Você já deve ter reparado que a maior parte dos instrumentos que você já tocou tem uma curvatura na escala, certo? Algumas são mais curvadas, outras menos, e a sensação ao tocar em escalas com curvatura diferente muitas vezes são bastante perceptíveis logo no primeiro contato.
Antes de desenvolvermos o assunto em questão, é importante deixar claro que a escala é a parte superior do braço em que os trastes são instalados. Normalmente, a escala é feita de uma madeira mais dura em relação à madeira do braço como forma de ajudar na resistência mecânica, no entanto, em alguns modelos, sendo a Fender a mais comum com seus braços inteiros em Maple, a madeira da escala pode ser a mesma utilizada na construção do braço.
O raio da escala é a curvatura da superfície da escala, normalmente medida em polegadas. É um recurso ergonômico que tem como objetivo naturalizar os movimentos de formação de acorde, principalmente os com pestana, de forma mais anatômica, próxima do movimento natural dos dedos.

Imagem de autoria própria. Representação da seção de um braço com escala de raio 12”.
A aplicação do raio na escala não é uma invenção recente, muito embora algumas convenções de medida tenham se estabelecido em meado dos anos 40. De lá para cá diversos padrões de raio de escala foram implementados nos modelos introduzidos no mercado e podemos explicar quais são os benefícios e desvantagens de se utilizar curvaturas mais ou menos acentuadas.
Raio da escala cilíndrico
O raio cilíndrico está presente na grande maioria dos instrumentos e pode ser explicado da seguinte forma: a superfície da escala é uma seção de um cilindro, ou seja, a medida do raio da escala é igual em todo o comprimento do braço.
Os instrumentos com raio cilíndrico são mais simples de se construir e a manutenção e regulagem são igualmente mais fáceis de se fazer. Os modelos de linha da R.Gil Guitars são construídos, por padrão, com raio cilíndrico.

Imagem de autoria própria. Ilustração do raio da escala cilíndrico.
Tendo isso em vista, podemos destrinchar as diferenças entre valores de curvatura maiores e menores.
Raios menores
As medidas de raio da escala menores fazem com que a superfície da escala tenha curvatura mais acentuada. Essa curvatura mais acentuada costuma ser preferida pelos músicos que tem um repertório vasto de acordes em cadências harmônicas bem trabalhadas.
Como contraponto, a regulagem da ação em instrumentos com raios da escala menor tende a alturas de cordas maiores do que em raios maiores, essa limitação acontece principalmente por conta dos movimentos de bend.
A depender da intensidade do bend, a corda pode ultrapassar o limite do alívio (distância em relação ao traste em que a corda consegue vibrar livremente) da angulação de saída da corda em relação ao arco dos trastes seguintes, fazendo com que a nota produzida perca a intensidade ou seja completamente abafada.
Por conta disso, a regulagem fica limitada ao intervalo do bend que o guitarrista deseja alcançar. Quando o bend não faz parte do repertório técnico do músico, é possível regular o instrumento com ação de cordas mais baixas mesmo com Raio de Escala menores.
Raios maiores
Como contraponto, raios da escala com valores mais altos, em que a superfície da escala tem a curvatura menos acentuada, esse alívio tem uma tolerância maior, facilitando movimentos de bend sem maiores consequências em alturas de corda mais baixas. No entanto, o conforto, principalmente em harmonias com sequência de acordes, não é tão sensível.
Além do Bend, escalas menos curvadas também reduzem a amplitude de movimento da mão nas trocas de cordas de sequências melódicas, tornando-as preferidas dos músicos que buscam velocidade.
Na imagem abaixo, ilustramos a diferença entre raios de escala bastante comuns em fabricantes do mercado: 9,5” (Fender e similares) e 16” (Ibanez e similares). Sobrepondo as medidas, vemos uma variação bem sutil entre as medidas, no entanto, na prática, a diferença é sensível.

Imagem de autoria própria. Em cinza o raio 9,5”, em azul, o raio 16”.
Raio da escala cônico
Sabendo do conceito por trás do raio cilíndrico, podemos imaginar como funciona uma escala de raio cônico. A diferença fundamental entre as duas formas de construção, é que a escala de raio cônico tem curvatura variável ao longo do seu comprimento.
Um cone como estamos acostumados a ver, como os de trânsito, laranjinhas, tem a ponta com circunferência bem pequena, que vai aumentando até a sua base. A escala de raio cônico funciona da mesma forma, com medidas bem mais conservadoras, é claro.
Normalmente, na área da pestana, temos uma curvatura de escala mais acentuada do que na região dos últimos trastes, com transição homogênea. O objetivo é juntar o melhor dos dois mundos, uma curvatura menor para acomodar melhor a mão nas casas superiores, que vai aumentando de forma suave em direção ao final da escala, tornando mais fáceis digitações mais complexas e os bends de maior amplitude.

Imagem de autoria própria. Ilustração do raio da escala cônico.
A regulagem com ação de cordas mais baixas é mais fácil de se obter, muito embora o trabalho de construção para obter um raio cônico preciso seja mais difícil, principalmente durante a etapa da colocação e retífica de trastes.
Para se obter a melhor experiência com o raio cônico, é importante que ponte e pestana estejam devidamente ajustados para se conformarem com os raios do instrumento.
É importante que a pestana esteja ajustada com a medida do raio da escala desejada na primeira casa. Já na ponte, deve ser feita uma projeção para a regulagem da altura dos carrinhos de forma que a conicidade esteja coerente ao longo do comprimento do braço. A simples regulagem da curvatura dos carrinhos da ponte com a mesma medida do Raio da escala aferido na última casa não fará com que o instrumento funcione da melhor forma.
A imagem abaixo ilustra a explicação:

Imagem de autoria própria. Variação de medidas no raio cônico.
É possível modificar o raio da escala do meu instrumento?
É possível, desde que exista madeira suficiente para fazer a troca do raio, e não exista possibilidade de comprometimento estrutural. Para fazer a troca do raio da escala de um instrumento, é necessário remover os trastes (quando houver) e desbastar a madeira para induzir a nova curvatura.
Em alguns casos, após a remoção da madeira, é necessário verificar se a profundidade do canal dos trastes está apta para a instalação dos trastes novos. Caso exista a necessidade de aprofundar, esse trabalho deve ser feito com critério e cautela, já que pode fragilizar a escala, e por consequência, o braço.
As marcações da guitarra também podem sofrer com trocas de raio, principalmente se o objetivo é mudar de medidas menores para maiores (tornar a escala menos curvada). Por isso, em instrumentos com marcações especiais, é necessário verificar se existe espessura adequada para o trabalho. Se não, se faz necessária a reposição das marcações caso o trabalho de desbaste da escala ultrapasse a espessura da marcação.
Não recomendo fazer o trabalho por mera experiência ou curiosidade. Reverter trocas de raio por arrependimento pode não ser um trabalho simples, principalmente se não foi realizado da melhor maneira pelo luthier profissional anterior.
Portanto, se a intenção é experimentar uma curvatura diferente da que você está habituado, antes de realizar o trabalho, vá até alguma loja em que exista uma variedade de guitarras que você possa testar, ou algum amigo que você tenha acesso a um instrumento com o raio da escala desejado (e cuide de tratar bem o instrumento do coleguinha).