comprimento de escala

Comprimento de Escala

Dentre os principais aspectos da construção, o comprimento de escala é característica que considero um dos principais fundamentos de projeto e de sensibilidade tátil notória.

Existem diversas medidas de comprimento de escala nos mais variados cordofones que se distinguem inclusive em famílias. Antes de entrar em detalhes, precisamos estabelecer o que é comprimento de escala, para clarear o conceito, e entendermos as variações de medida e suas aplicações.

De forma simples, o comprimento de escala é o intervalo de distância entre os pontos de apoio ou ancoragem da corda. Utilizando o exemplo do violão, a medida pode ser aferida do início da pestana até o ponto de contato da corda com o rastilho. Na guitarra, da pestana até os carrinhos da ponte. A mesma lógica se aplica aos mais diversos instrumentos de corda com a mesma filosofia de construção.

detalhamento do comprimento de escala

Imagem de autoria própria. Detalhamento da medida do comprimento de escala.

Você pode estar se perguntando: mas e pianos e harpas, por exemplo, também são cordofones, essa regra se aplica?
A resposta é sim! No entanto, cada corda, ou conjunto de cordas, tem seu comprimento calculado de acordo com a nota de afinação desejada. 

Nestes instrumentos as cordas são sempre tocadas em sua frequência natural (corda solta), seja através dos martelos do piano, ou pelas mãos da harpista, diferente dos violões e violinos em que corda pode ser tocada na frequência natural ou nas notas da série harmônica em que aquela corda é subdividida (corda pressionada), tendo ou não a presença de trastes.

Por conta disso, neste artigo nos aprofundaremos apenas nos instrumentos da família dos violões, guitarras e baixos elétricos.

Tensão das cordas x Comprimento de escala

Sabendo do que se trata o comprimento de escala, podemos então desenvolver um pouco mais sobre o assunto e possivelmente tirar as suas dúvidas do porquê temos sensações diferentes ao tocar instrumentos com projetos diferentes.

Vamos partir de uma argumentação bem simples para entendermos como diferentes medidas de escala se comportam. Quando encordoamos um violão, por exemplo, fixamos a corda no cavalete, e esticamos ela até a mão do instrumento, onde enrolamos nas tarraxas até que ela chegue na afinação desejada.

Entre a tarraxa e o cavalete, temos a pestana e o rastilho, que determinam o comprimento de escala, como dito anteriormente. O excedente de corda, entre a tarraxa e pestana, rastilho e cordal, não são relevantes para o cálculo representados na imagem abaixo por D1 e D2.

distâncias que não entram no cálculo do comprimento de escala

Imagem de autoria própria. Ilustração das distâncias que não entram no cálculo do comprimento de escala.

Para afinarmos, por exemplo, a quinta corda na afinação padrão, precisamos girar a tarraxa até que a corda seja tracionada com força suficiente para que ela alcance a nota Lá (A), com seus 440Hz (frequência natural). A ideia se aplica para todas as cordas restantes, até que o violão esteja completamente afinado.

Na afinação padrão, as notas são: Mi(E), Lá(A), Ré(D), Sol(G), Si(B), Mi(E).

Nesse cenário, com todas as cordas devidamente afinadas, vamos ter uma experiência sensorial particular ao tocar esse violão.
A força que fazemos com os dedos para executar acordes e dedilhados, tanto com a mão esquerda quanto direita, são específicas da tensão das cordas escolhidas, e na tonalidade em que o instrumento está afinado.

E se esse violão tivesse um comprimento de escala menor, como essas relações de tensão funcionariam?

comprimento de escala sem capotraste e com capotraste

Imagem de autoria própria. Diferença entre o comprimento de escala de um mesmo instrumento sem capotraste e com capotraste.

Vamos induzir uma diminuição do comprimento de escala apenas colocando um capotraste na primeira casa após a pestana sem fazer nenhuma alteração na afinação. Com isso, a vibração fundamental de cada nota aconteceria da seguinte forma: Fá, Lá#, Ré#, Sol#, Dó e Fá.

afinação padrão com capotraste

Imagem de autoria própria. Violão com afinação padrão com capotraste colocado na casa 1.

Porém, se considerarmos o capotraste tornando-se a “nova pestana” desse violão, e afinarmos novamente na afinação padrão, em Mi (E), teríamos de afrouxar as cordas. No final, a sensação é de que as cordas ficaram menos tensas.

violão com capotraste

Imagem de autoria própria. Violão com capotraste colocado na casa 1 e afinado na afinação padrão.

Quando diminuímos o comprimento de escala, com o mesmo encordoamento, precisamos de menos força para que a corda alcance a mesma afinação. E quando aumentamos o comprimento de escala, o inverso também acontece, precisamos de mais força.

É importante deixar claro que existem vários fatores que modificam a sensação ao se tocar um instrumento, se é mais ou menos tenso. Mas analisando apenas pelo aspecto do comprimento de escala, é possível concluir que os modelos de instrumento construídos com intervalos menores serão menos tensos, mais “macios” ao toque, em comparação aos instrumentos com escalas maiores.

Um clássico e bom exemplo dessa diferença são os modelos de guitarra Stratocaster, que normalmente contam com um comprimento de escala de padrão maior, 25,5” (647,8mm), e as guitarras LesPaul, que possuem apenas 24,75” (628,65mm). Normalmente, utilizando o mesmo calibre de corda, as Strato oferecem mais resistência para a execução dos mesmos fraseados por conta da diferença da tensão pelo tamanho da escala.

Instrumentos da mesma família podem ser construídos com diferentes comprimentos de escala. O violão tem a medida de 650mm sendo a mais comum para a maioria dos fabricantes e luthiers. No entanto, outros valores também são usuais e podem ser encontrados em diversos projetos. Alguns exemplos são: 620, 640mm (Torres, Hauser, etc.), 660 e 664 (Ramirez).

Não existem alterações nas frequências das notas em instrumentos com comprimento de escala diferentes. A diferença entre as medidas refletirá apenas na necessidade de se tensionar mais ou menos as cordas para obter a mesma afinação.

Vale enfatizar que relações entre as notas e posição dos trastes não são comprometidas pela alteração do tamanho da escala. Essa distribuição é calculada de forma proporcional, com base em uma razão matemática fundamental, para qualquer medida, mesmo que arbitrária. Nesse artigo falamos sobre essas relações.

Efeito Prático     

Instrumentos com comprimentos de escala maior necessitam de maior amplitude de abertura entre os dedos. A diferença entre as medidas pode até parecer pequena, mas na prática, os poucos milímetros e suas frações de diferença entre as casas mudam sensivelmente a maneira de tocar.

Músicos com mãos pequenas, ou que tem alguma limitação física à amplitude de movimento, seja natural ou por lesão, tendem a combinar escalas de tamanho menor com calibres de corda mais leves. A tensão do conjunto é reduzida.

Já aqueles que têm a mão superdimensionada encontram dificuldades no posicionamento dos dedos nas casas mais altas, em que a distância dos trastes diminui gradativamente, principalmente em instrumentos de 24 casas ou mais. Para esses, escalas maiores facilitam a técnica e liberam espaço para articular de forma mais precisa.

E tem o Paul Gilbert que qualquer escala fica pequena comparado com o tamanho das mãos dele.

Sonoridade

Apesar da tensão das cordas ser o fator mais sensível quando experimentamos instrumentos com comprimentos de escalas diferentes, também é possível perceber uma leve alteração de timbre, uma vez que o tamanho da escala interfere na maneira como a corda vibra.

Como regra geral, para instrumentos da mesma família, quanto maior o tamanho da escala, mais brilho e definição nas frequências mais altas e seus harmônicos. O timbre fica mais cristalino, mesmo sendo tocado com dedo, unha ou palheta.

Isso não significa que escalas de tamanho menor tenham uma sonoridade menos interessante. As cordas menos tensionadas entregam médios mais comprimidos e graves mais profundos. Esse timbre encorpado é mais eficiente nas progressões harmônicas, em que várias notas são tocadas ao mesmo tempo.

Instrumentos de alcance estendido, como os violões e guitarras barítonos, cujo comprimento de escala é maior do que os padrões comuns, são projetados dessa forma para aproveitar o aumento da tensão das cordas.

Normalmente são utilizados com afinações mais baixas, menos tensas, e encordoamentos de calibre mais espesso. Em escalas mais longas, essas compensações trazem uma sensação tátil mais próxima de escalas de tamanho regular, com timbres mais cristalinos e definidos, mesmo em frequências mais baixas.    

Já os instrumentos que atuam naturalmente em frequências mais graves tendem a ter comprimentos de escala maiores. Frequências graves (baixas), audíveis e/ou captáveis, requerem bastante energia e espaço para se formarem e propagarem.

Um contrabaixo, por exemplo, consegue produzir frequências bem abaixo dos violões, guitarras e violinos. Para que elas pudessem ser alcançadas em comprimentos de escalas regulares, seria necessário um encordoamento de calibre bastante espesso para que a tensão fosse minimamente compatível com a mesma sensibilidade de quando tocamos.

Em termos de projeto, a adequação do encordoamento não é inteligente. A adoção de comprimentos de escala de intervalo maior é uma solução mais eficaz para obter essas mesmas frequências com calibres de cordas mais coerentes e funcionais. Instrumentos de escala mais curta, como o violino e o cavaco são projetados dessa forma para alcançarem altas frequências. Dessa forma, o calibre das cordas e a tensão ficam compatíveis com seus timbres característicos. Mesmo assim, são instrumentos onde a tensão proporcional é bem superior em relação aos outros instrumentosda mesma família.

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