Neste artigo vamos realizar um estudo de caso de um restauro do cavaco de luthier. O cavaco desse estudo de caso já pertencia há alguns anos ao cliente que me trouxe para o reparo. Um caso particular de quebra de mão (ou headstock) em que uma colagem simples não é garantia de resolução.
Na maioria das vezes, quando a mão de um instrumento quebra, ela rompe na direção da fibra da madeira, abrindo uma fissura diagonal, que pode ser colada desde que a área de contato seja suficiente para garantir a adesão correta.
Já neste cavaco, a fissura aconteceu no sentido transversal à fibra da madeira, comprometendo qualquer possibilidade de uma colagem convencional por conta da pouca área de contato restante. Na imagem a seguir é possível observar a extensão do dano ocorrido.

Também houve perda de material em algumas regiões ao redor da fissura, aumentando ainda mais o espaço para o encaixe ideal de colagem.
Abordagem adotada para o restauro do cavaco
A decisão do tipo de abordagem para a correção levou algum tempo. Uma vez que se inicia esse tipo de restauro com uma técnica equivocada, podemos perder o instrumento em definitivo, ou não alcançar o resultado desejado. O objetivo é sempre garantir um reparo eficiente e duradouro.
Para o restauro do cavaco em questão, optei pela remoção da parte danificada da madeira da mão e o enxerto de uma peça para complementar o que foi retirado. O desbaste feito na mão, em formato de cunha, aumentou consideravelmente a área de contato para a colagem da peça fabricada.

O corte inicial foi feito com um serrote japonês com lâmina de espessura fina. Os ajustes posteriores foram feitos com formão e lixa, essa, montada em um gabarito feito exclusivamente para esse restauro, com angulação estipulada adequada.
Uma boa peça de Mogno foi selecionada para fazer o complemento, sendo trabalhada de forma cautelosa para que o encaixe acontecesse de forma natural, sem que houvesse necessidade de forças excessivas na hora da colagem, evitando a adição de tensões indesejadas.

O braço foi preparado da mesma forma, removendo parcialmente a madeira que apresentava vestígios da quebra, criando uma superfície plana e levemente angulada.
Colagem do enxerto
O enxerto foi preparado com um pouco de sobra para melhorar as chances de alinhamento, aumentando a margem para a escultura do braço pós colagem. Após as verificações, o complemento foi colado na mão do cavaco.


As fotos acima ilustram o complemento já colado na mão com sucesso para o restauro do cavaco. Não houve intercorrência nenhuma durante a etapa de preparação e colagem do enxerto.
Correção do ângulo e alinhamento
Na próxima etapa, foi feita a correção do ângulo para a colagem da mão, agora com o complemento, no braço. Além de garantir a melhor superfície de contato, possibilitou o ajuste da angulação da mão para 8º. Essa medida mais conservadora foi escolhida para evitar grandes vetores de força na região de transição entre o braço e a mão em um eventual trauma futuro.
Tudo em ordem para colar a mão no braço novamente. O alinhamento foi a parte mais desafiadora dessa etapa. Colagem de peças anguladas normalmente são uma receita para a dor de cabeça. Algumas peças auxiliares foram desenvolvidas para ajudar na centralização do conjunto e garantir o espaço adequado para a pestana.

Mais uma colagem bem sucedida, as linhas de transição bastante discretas ratificam a precisão do processo de restauro do cavaco. O que ficou perceptível foi a diferença de coloração entre o Cedro, original do braço, e o complemento de Mogno, que foi escolhido por ser uma madeira de maior resistência mecânica, evitando assim problemas futuros.
Inserção de um elemento estrutural
Ainda não chegamos ao fim! Mesmo com as colagens precisas, a angulação da colagem do complemento não é adequada com o vetor de força que as cordas fazem sobre o braço. É preciso mais um elemento estrutural para garantir todo o trabalho para restauro do cavaco feito até aqui.

Para o reforço, foi usinado um canal de ½” (aproximadamente 12 ,7 mm) para o encaixe de uma peça composta por Nogueira e Peroba do campo, escolhidas para ornar com a paleta de cores do cavaco, sem a necessidade de disfarces com pintura ou métodos alternativos.

O excedente de madeira do reforço foi removido com plaina, e o formato do braço recuperado utilizando novamente formão e gradação de lixa. O restante do verniz do braço também foi retirado para a aplicação de um novo verniz.
Acabamento e montagem
Nesse ponto, toda a parte estrutural do restauro do cavaco foi concluída. A próxima etapa é o acabamento, montagem e um pouco de fé de que tudo irá funcionar.

O verniz fosco foi escolhido para a finalização. Foram aplicadas quatro camadas em duas sessões distintas. Nesse caso, a espessura final é suficiente para um bom acabamento e proteção, sem o acúmulo excessivo de material.


Resultado do restauro do cavaco
Depois de alguns dias de espera para a secagem completa, hora de montar e testar com as cordas tensionadas. Confesso que até hoje tenho uma mistura de apreensão com satisfação quando chegamos nessa etapa.



Mas, como vocês podem ver nas fotos acima, o restauro do cavaco foi um sucesso! Todo o trabalho feito para recuperar a fissura foi recompensado com um instrumento renascido, funcionando e pronto para mais bons anos de muita música!