Entender como funciona o temperamento igual também revela o porquê dos nossos ouvidos acostumarem-se com a estética musical moderna. Ouvir alguns instrumentos de época, ou instrumentos afinados com temperamento diferente do que estamos acostumados pode ser desconfortável num primeiro momento. Isso acontece porque nossos ouvidos estão acostumados com o temperamento igual.
De forma breve, o temperamento nos instrumentos é um método para organizar as notas ao longo da escala musical. É uma forma de manter os intervalos distribuídos dentro de uma certa lógica, fazendo com que as notas soem corretamente de acordo com o contexto da progressão harmônica em que o instrumento está afinado.
O que é o temperamento igual?
O temperamento igual é uma referência musical moderna, é a estética de afinação que estamos acostumados a ouvir e reproduzir. Pode-se dizer também que é a maneira mais simples de organizar os intervalos dentro de uma escala de Dó maior, por exemplo, onde cada nota tem um espaço “equidistante” uma das outras.

Na imagem acima podemos perceber que a escala de Dó Maior (representado pelo C) tem 12 notas contidas dentro de uma oitava. E esses semitons são divididos de forma igual. O mesmo padrão se repete para todas as tonalidades que porventura sejam analisadas.
No temperamento igual a relação entre a frequência de uma nota até e sua oitava acima é sempre o dobro do valor.
A frequência de uma nota é calculada em Hertz, que representa o número de oscilações por segundo.
Para exemplificar, vamos utilizar o intervalo de oitava entre o C4 e o C5 (C4 e C5 são referenciais das notas Dó localizadas nos instrumentos temperados): A frequência do C4 é de 261,63Hz (medida em Hertz) e a do C5 é de 523,25, que é o dobro do valor do C5.
No entanto, se subtrairmos a diferença entre os valores das oitavas e dividirmos por 12, não obteremos o valor exato das frequências que representam as notas da escala de Dó maior.

Imagem do autor. As casas decimais estão representadas até o centésimo.
A diferença do valor entre as notas C4 e C#4 é de 15,82. Já a diferença entre o A4 e o A#4 é de 26,16. Como podemos ver, são números diferentes e distintos da divisão entre o valor do intervalo da oitava por 12, cujo resultado é 21,802.
Isso acontece porque no temperamento igual a distância entre as notas não consiste como resultado de uma simples divisão entre os valores da diferença entre a oitava, mas sim porque a distância entre cada nota tem uma razão de multiplicação comum.
Se dividirmos o valor de D#, que é 311,13, pelo valor de D, que é 293,67, teremos como resultado 1,059. O mesmo acontece quando fazemos a mesma operação entre A# e A. Ou seja, a distância do valor de entre cada nota tem o mesmo fator de multiplicação que é 1,059, tratando-se de uma progressão geométrica.
Por conta disso, se elevarmos o fator de multiplicação comum pelas 12 notas presentes no intervalo entre as oitavas, obteremos um número extremamente próximo de 2, que é justamente a razão entre os valores de C5 e C4.

Em função desse modelo de divisão, podemos classificar o temperamento igual como um temperamento fechado, em que o ciclo de oitava sempre irá compreender a mesma razão de divisão. A distância entre as frequências das notas será sempre regida pelo mesmo fator de multiplicação.
E qual o benefício disso? Este temperamento permite que o músico transite entre diferentes tons ao longo de uma música, ou faça transposições sem prejudicar as relações entre os intervalos em um contexto geral de afinação. O instrumento sempre soará harmônico independente do tom em que se está tocando.
No entanto, o temperamento igual não permite que o instrumento afine de forma perfeita, uma vez que as compensações feitas para garantir uma relação harmônica entre todos os tons não respeitam a relação natural entre os intervalos físicos.
Origem do temperamento igual
Esse sistema foi desenvolvido pelo matemático, filósofo e especialista em música Zhu Zaiyu através de um experimento com uma flauta de tubos como uma forma de solucionar a dificuldade de transitar entre as diferentes tonalidades sem a necessidade de afinar o instrumento especificamente para executar as peças desejadas. Dificuldade essa que era característica em outros sistemas de afinação.
Esse ajuste de temperamento fez e continua fazendo parte de toda a estética da música ocidental popular que conhecemos. As nossas referências de afinação e musicalidade são fundamentadas no temperamento igual, utilizado pela grande maioria dos músicos.
No entanto, incentivo-os a terem experiências com temperamentos alternativos no intuito de entender como soam determinados intervalos com distâncias ajustadas mais próximas das frequências naturais. É fundamental expandirmos nossos horizontes.